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O MBA DO VALE DO SILÍCIO
O MBA DO VALE DO SILÍCIO

Pedro Doria | E&N O Estado de S. Paulo

O Vale do Silício é uma vila. Uma meia dúzia de cidades espalhadas pela península, San Francisco abaixo. Poucos prédios, muitas casas, e as pessoas todas se conhecem. Se encontram nos eventos aos quais todos vão durante a semana e nos poucos restaurantes perto de casa, sábado e domingo. Alguns dos nomes mais conhecidos do Vale são repetidos nas páginas de negócios mundo afora. Mas há outras pessoas conhecidíssimas, importantes, até fundamentais para a indústria de tecnologia, cujos nomes se limitam aos bastidores. Bill Campbell, que morreu na última segunda-feira, 18, aos 75, era o mais importante destes.

Foi ele quem ensinou Steve Jobs (Apple), Jeff Bezos (Amazon), Larry Page e Sergey Brin (Google) e Marc Andreessen (Netscape) a serem CEOs. O alto comando de três gerações do Vale, fundadores de empresas nascidas entre as décadas de 1970 e 2000. Ninguém o chamava pelo nome. Era o coach. O treinador. Porque Campbell, por formação, era treinador de times universitários de futebol americano.

Em 1979, quando o Vale começava a explodir, Campbell estava encerrando sua carreira como treinador na Universidade de Columbia, uma das melhores dos EUA. Dirigiu o time ali por 16 anos, uma carreira e tanto, durante a qual bateu alguns recordes. Mas já era um executivo de médio escalão, entre os anos 1980 e 90, quando seu principal talento tornou-se óbvio.

Em um ambiente em que há muitos gênios, no qual a cultura estimula o inventor na garagem responsável por uma ideia revolucionária, a autocracia brota a toda hora. Há muitos berros nas salas de reunião do Vale, há desdém por erros dos outros, e recusa de encarar problemas de frente. Está lá, sempre, a constante esperança de que um lance de brilhantismo resolverá tudo. Muitos quebram assim.

Dirigir uma startup de tecnologia é difícil. Na primeira fase, são negócios pequenos, com pouca gente. As de sucesso entram numa segunda fase em que se contrata muita gente, muito rápido, e o crescimento repentino gera atritos e problemas de gestão que podem pôr em risco a sobrevivência do negócio.

Durante muito tempo, a estratégia dos investidores foi, através do conselho, retirar do comando o fundador problemático e contratar um executivo de carreira. E o problema, aí, é que invariavelmente a faísca que fazia daquele negócio único se esvai.

Até que começaram a contratar Bill Campbell.

Ele tinha uma habilidade rara com pessoas. E defendia que o fundador era a principal arma de qualquer startup. É quem tem a visão do negócio e a gana de vencer. Mas, quase sempre jovens, entusiasmados com o sucesso inicial, tendem a julgar-se infalíveis.

O coach era contratado para orientá-los. Ganhava sua confiança, tornava-se um conselheiro para a lida com pessoas. Como formar um time, como orientar o caminho, como descentralizar sem perder o rumo.

Num momento em que executivos da Amazon pressionaram pela saída de Bezos, Campbell mudou-se para Seattle para aconselhá-lo por seis meses. Nos primeiros dez anos do Google, foi presença constante, semanal, para longas conversas principalmente com Larry Page. Quando retornou para a Apple, Steve Jobs tirava pelo menos uma manhã por semana para fazer suas caminhadas com o coach.

E era, também, um sujeito generoso. Morreu muito rico porque investiu em muitas empresas. Mas, para a maior parte de suas consultorias, não cobrava. Não ganhou do Google, não ganhou da Amazon. Foi pago pela Apple porque tinha cadeira no Conselho Administrativo. Era um sujeito único. Acreditava que o Vale o havia feito um homem rico e feliz. Ajudar fundadores a se tornarem grandes empresários tornou-se uma missão pessoal.

Bill Campbell foi, sozinho, um MBA ambulante. O MBA no qual quase todos os grandes nomes do Vale se formaram.